sexta-feira, 8 de outubro de 2010

"Aborto para fins eleitorais"

Dom Demétrio Valentini


A questão do aborto está sendo instrumentalizada para fins eleitorais.
Esta situação precisa ser esclarecida e denunciada.

Está sendo usada uma questão que merece toda a atenção e isenção de
ânimo para ser bem situada e assumida com responsabilidade, e que não
pode ficar exposta a manobras eleitorais, amparadas em sofismas
enganadores.

Nesta campanha eleitoral está havendo uma dupla falácia, que precisa
ser desmontada.

Em primeiro lugar, se invoca a autoridade da CNBB para posições que
não são da entidade, nem contam com o apoio dela, mas se apresentam
como se fossem manifestações oficiais da CNBB.

Em segundo lugar, se invoca uma causa de valor indiscutível e
fundamental, como é a questão da vida, e se faz desta causa um
instrumento para acusar de abortistas os adversários políticos, que
assim passam a ser condenados como se estivessem contra a vida e a
favor do aborto.

Concretamente, para deixar mais clara a falácia, e para urgir o seu desmonte:

A Presidência do Regional Sul 1 da CNBB incorreu, no mínimo, em sério
equívoco quando apoiou a manifestação de comissões diocesanas, que
sinalizavam claramente que não era para votar nos candidatos do PT, em
especial na candidata Dilma.

Ora, os Bispos do Regional já tinham manifestado oficialmente sua
posição diante do processo eleitoral. Por que a Presidência do
Regional precisava dar apoio a um documento cujo teor evidentemente
não correspondia à tradição de imparcialidade da CNBB? Esta atitude da
Presidência do Regional Sul 1 compromete a credibilidade da CNBB, se
não contar com urgente esclarecimento, que não foi feito ainda,
alertando sobre o uso eleitoral que está sendo feito deste documento
assinado pelos três bispos da presidência do Regional.

Esta falácia ainda está produzindo conseqüências. Pois no próprio dia
das eleições foram distribuídos nas igrejas, ao arrepio da Lei
Eleitoral, milhares de folhetos com a nota do Regional Sul 1, como se
fosse um texto patrocinado pela CNBB Nacional. E enquanto este
equívoco não for desfeito, infelizmente a declaração da Presidência do
Regional Sul 1 da CNBB continua à disposição da volúpia desonesta de
quem a está explorando eleitoralmente. Prova deste fato lamentável é a
fartura como está sendo impressa e distribuída.

Diante da gravidade deste fato, é bem vindo um esclarecedor
pronunciamento da Presidência Nacional da CNBB, que honrará a tradição
de prudência e de imparcialidade da instituição.

A outra falácia é mais sutil, e mais perversa. Consiste em arvorar-se
em defensores da vida, para acusar de abortistas os adversários
políticos, para assim impugná-los como candidatos, alegando que não
podem receber o voto dos católicos.

Usam de artifício, para fazerem de uma causa justa o pretexto de
propaganda política contra seus adversários, e o que é pior, invocando
para isto a fé cristã e a Igreja Católica.

Mas esta falácia não pára aí. Existe nela uma clara posição
ideológica, traduzida em opção política reacionária. Nunca relacionam
o aborto com as políticas sociais que precisam ser empreendidas em
favor da vida.

Votam, sem constrangimento, no sistema que produz a morte, e se
declaram em favor da vida.

Em nome da fé, julgam-se no direito de condenar todos os que discordam
de suas opções políticas. Pretendem revestir de honestidade, uma
manobra que não consegue esconder seu intento eleitoral.

Diante desta situação, são importantes, e necessários, os
esclarecimentos. Mais importante ainda é a vigilância do eleitor, que
tem todo o direito de saber das coisas, também aquelas tramadas com
astúcia e malícia.

[Leia também: Carta aberta a Dom Demétrio]

* Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira

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