sexta-feira, 15 de outubro de 2010
"Nenhum voto a Serra - Manifesto do PSOL"
Manisfesto do Partido do Soalismo e Liberdade, recomendando o não vota à Serra, e o voto crítico em Dilma, veja abaixo a nota:
NENHUM VOTO A SERRA
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) mereceu a confiança de mais de um milhão de brasileiros que votaram nas eleições de 2010. Nossa aguerrida militância foi decisiva ao defender nossas propostas para o país e sobre ela assentou-se um vitorioso resultado.
Nos sentimos honrados por termos tido Plínio de Arruda Sampaio e Hamilton Assis como candidatos à presidência da República e a vice, que de forma digna foram porta vozes de nosso projeto de transformações sociais para o Brasil. Comemoramos a eleição de três deputados federais (Ivan Valente/SP, Chico Alencar/RJ e Jean Wyllys/RJ), quatro deputados estaduais (Marcelo Freixo/RJ, Janira Rocha/RJ, Carlos Giannazi/SP e Edmilson Rodrigues/PA) e dois senadores (Randolfe Rodrigues/AP e Marinor Brito/PA). Lamentamos a não eleição de Heloísa Helena para o Senado em Alagoas e a não reeleição de nossa deputada federal Luciana Genro no Rio Grande do Sul, bem como do companheiro Raul Marcelo, atual deputado estadual do PSOL em São Paulo.
Em 2010 quis o povo novamente um segundo turno entre PSDB e PT. Nossa posição de independência não apoiando nenhuma das duas candidaturas está fundamentada no fato de que não há por parte destas nenhum compromisso com pontos programáticos defendidos pelo PSOL. Sendo assim, independentemente de quem seja o próximo governo, seremos oposição de esquerda e programática, defendendo a seguinte agenda: auditoria da dívida pública, mudança da política econômica, prioridade para saúde e educação, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, defesa do meio ambiente, contra a revisão do código florestal, defesa dos direitos humanos segundo os pressupostos do PNDH3, reforma agrária e urbana ecológica e ampla reforma política – fim do financiamento privado e em favor do financiamento público exclusivo, como forma de combater a corrupção na política.
No entanto, o PSOL se preocupa com a crescente pauta conservadora introduzida pela aliança PSDB-DEM, querendo reduzir o debate a temas religiosos e falsos moralismos, bloqueando assim os grandes temas de interesse do país. Por outro lado, esta pauta leva a candidatura de Dilma a assumir posição ainda mais conservadora, abrindo mão de pontos progressivos de seu programa de governo e reagindo dentro do campo de idéias conservadoras e não contra ele. Para o PSOL, a única forma de combatermos o retrocesso é nos mantermos firmes na defesa de bandeiras que elevem a consciência de nosso povo e o nível do debate político na sociedade brasileira.
As eleições de 2002, ao conferir vitória a Lula, traziam nas urnas um recado do povo em favor de mudanças profundas. Hoje é sabido que Lula não o honrou, não cumpriu suas promessas de campanha e governou para os banqueiros, em aliança com oligarquias reacionárias como Sarney, Collor e Renan Calheiros. Mas aquele sentimento popular por mudanças de 2002 era também o de rejeição às políticas neoliberais com suas conseqüentes privatizações, criminalização dos movimentos sociais – que continuou no governo Lula -, revogação de direitos trabalhistas e sociais.
Por isso, o PSOL reafirma seu compromisso com as reivindicações dos movimentos sociais e as necessidades do povo brasileiro. Somos um partido independente e faremos oposição programática a quem quer que vença. Neste segundo turno, mantemos firme a oposição frontal à candidatura Serra, declarando unitariamente “NENHUM VOTO EM SERRA”, por considerarmos que ele representa o retrocesso a uma ofensiva neoliberal, de direita e conservadora no País. Ao mesmo tempo, não aderimos à campanha Dilma, que se recusou sistematicamente ao longo do primeiro turno a assumir os compromissos com as bandeiras defendidas pela candidatura do PSOL e manteve compromissos com os banqueiros e as políticas neoliberais. Diante do voto e na atual conjuntura, duas posições são reconhecidas pela Executiva Nacional de nosso partido como opções legítimas existentes em nossa militância: voto crítico em Dilma e voto nulo/branco. O mais importante, portanto, é nos prepararmos para as lutas que virão no próximo período para defender os direitos dos trabalhadores e do povo oprimido do nosso País.
Executiva Nacional do PSOL – 15 de outubro de 2010.
domingo, 10 de outubro de 2010
"Frei Beto, Dilma e a Fé Cristã"
Artigo de Frei Betto, publicado na coluna "Tendências/Debates" da Folha:
Conheço Dilma Rousseff desde criança. Éramos vizinhos na rua Major Lopes, em Belo Horizonte. Ela e Thereza, minha irmã, foram amigas de adolescência. Anos depois, nos encontramos no presídio Tiradentes, em São Paulo. Ex-aluna de colégio religioso, dirigido por freiras de Sion, Dilma, no cárcere, participava de orações e comentários do Evangelho. Nada tinha de "marxista ateia".
Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte.
Em 2003, deu-se meu terceiro encontro com Dilma, em Brasília, nos dois anos em que participei do governo Lula. De nossa amizade, posso assegurar que não passa de campanha difamatória - diria, terrorista - acusar Dilma Rousseff de "abortista" ou contrária aos princípios evangélicos. Se um ou outro bispo critica Dilma, há que se lembrar que, por ser bispo, ninguém é dono da verdade.
Nem tem o direito de julgar o foro íntimo do próximo. Dilma, como Lula, é pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica. Na linha do que recomenda Jesus, ela e Lula não saem por aí propalando, como fariseus, suas convicções religiosas. Preferem comprovar, por suas atitudes, que "a árvore se conhece pelos frutos", como acentua o Evangelho.
É na coerência de suas ações, na ética de procedimentos políticos e na dedicação ao povo brasileiro que políticos como Dilma e Lula testemunham a fé que abraçam. Sobre Lula, desde as greves do ABC, espalharam horrores: se eleito, tomaria as mansões do Morumbi, em São Paulo; expropriaria fazendas e sítios produtivos; implantaria o socialismo por decreto...
Passados quase oito anos, o que vemos? Um Brasil mais justo, com menos miséria e mais distribuição de renda, sem criminalizar movimentos sociais ou privatizar o patrimônio público, respeitado internacionalmente.
Até o segundo turno, nichos da oposição ao governo Lula haverão de ecoar boataria e mentiras. Mas não podem alterar a essência de uma pessoa. Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho.
Certa vez indagaram a Jesus quem haveria de se salvar. Ele não respondeu que seriam aqueles que vivem batendo no peito e proclamando o nome de Deus. Nem os que vão à missa ou ao culto todos os domingos. Nem quem se julga dono da doutrina cristã e se arvora em juiz de seus semelhantes.
A resposta de Jesus surpreendeu: "Eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; estive enfermo e me visitastes; oprimido, e me libertastes..." (Mateus 25, 31-46). Jesus se colocou no lugar dos mais pobres e frisou que a salvação está ao alcance de quem, por amor, busca saciar a fome dos miseráveis, não se omite diante das opressões, procura assegurar a todos vida digna e feliz.
Isso o governo Lula tem feito, segundo a opinião de 77% da população brasileira, como demonstram as pesquisas. Com certeza, Dilma, se eleita presidente, prosseguirá na mesma direção.
Conheço Dilma Rousseff desde criança. Éramos vizinhos na rua Major Lopes, em Belo Horizonte. Ela e Thereza, minha irmã, foram amigas de adolescência. Anos depois, nos encontramos no presídio Tiradentes, em São Paulo. Ex-aluna de colégio religioso, dirigido por freiras de Sion, Dilma, no cárcere, participava de orações e comentários do Evangelho. Nada tinha de "marxista ateia".
Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte.
Em 2003, deu-se meu terceiro encontro com Dilma, em Brasília, nos dois anos em que participei do governo Lula. De nossa amizade, posso assegurar que não passa de campanha difamatória - diria, terrorista - acusar Dilma Rousseff de "abortista" ou contrária aos princípios evangélicos. Se um ou outro bispo critica Dilma, há que se lembrar que, por ser bispo, ninguém é dono da verdade.
Nem tem o direito de julgar o foro íntimo do próximo. Dilma, como Lula, é pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica. Na linha do que recomenda Jesus, ela e Lula não saem por aí propalando, como fariseus, suas convicções religiosas. Preferem comprovar, por suas atitudes, que "a árvore se conhece pelos frutos", como acentua o Evangelho.
É na coerência de suas ações, na ética de procedimentos políticos e na dedicação ao povo brasileiro que políticos como Dilma e Lula testemunham a fé que abraçam. Sobre Lula, desde as greves do ABC, espalharam horrores: se eleito, tomaria as mansões do Morumbi, em São Paulo; expropriaria fazendas e sítios produtivos; implantaria o socialismo por decreto...
Passados quase oito anos, o que vemos? Um Brasil mais justo, com menos miséria e mais distribuição de renda, sem criminalizar movimentos sociais ou privatizar o patrimônio público, respeitado internacionalmente.
Até o segundo turno, nichos da oposição ao governo Lula haverão de ecoar boataria e mentiras. Mas não podem alterar a essência de uma pessoa. Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho.
Certa vez indagaram a Jesus quem haveria de se salvar. Ele não respondeu que seriam aqueles que vivem batendo no peito e proclamando o nome de Deus. Nem os que vão à missa ou ao culto todos os domingos. Nem quem se julga dono da doutrina cristã e se arvora em juiz de seus semelhantes.
A resposta de Jesus surpreendeu: "Eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; estive enfermo e me visitastes; oprimido, e me libertastes..." (Mateus 25, 31-46). Jesus se colocou no lugar dos mais pobres e frisou que a salvação está ao alcance de quem, por amor, busca saciar a fome dos miseráveis, não se omite diante das opressões, procura assegurar a todos vida digna e feliz.
Isso o governo Lula tem feito, segundo a opinião de 77% da população brasileira, como demonstram as pesquisas. Com certeza, Dilma, se eleita presidente, prosseguirá na mesma direção.
sábado, 9 de outubro de 2010
"Datafolha: Dilma 54%, Serra 46%"
Em pesquisa Datafolha divulgada na versão online do jornal o estado de São Paulo, a candidata Dilma (PT) , aparece na frente de Serra (PSDB), No total de intenção de votos, petista teve 48% e tucano, 41%; já no total de votos validos Dilma teria 54% e Serra 46%, a pesquisa ouviu 3.265 eleitores, esta é a primeira pesquisa divulgada , após o inicio do segundo turno. Click no titulo do post e veja a materia completa.
"O SUS e Eu"
Frei Betto
Escritor, é autor, em parceria com Leonardo Boff, de Mística e Espiritualidade, que a editora Vozes faz chegar esta semana às livrarias
Mal-estar e acidentes não mandam aviso prévio. Nem escolhem dia da semana. No domingo, 3 de outubro, pouco depois das 8h da manhã, a caminho de minha seção eleitoral, senti forte dor no lado esquerdo do peito. A impressão era de que tinha levado um soco no tórax. Continuei o percurso do convento à PUC-SP, desconfiado de ter sido acometido de um infarto. Não senti tontura, apenas a dor que se irradiava pelo lado avesso do peito.
Subi com dificuldade a rampa da PUC e quase me sentei para recuperar o fôlego. Teimoso, prossegui rumo ao meu dever cívico. (Sinto-me honrado em votar e serei a favor do voto facultativo no dia em que for também facultativo pagar impostos).
Ao me apresentar na seção eleitoral, a dor persistia. Não consegui me debruçar sobre a mesa para assinar o termo de comparecimento. Precisei erguer o papel. Pensei ao entrar na cabine: “Morro, mas com meu dever de cidadão cumprido”.
E is que, na saída, me bateu forte ardor cívico. “Votei em prol da melhoria deste país. Tenho direito, como cidadão, a atendimento médico pelo SUS. Por que não recorrer a ele no dia da eleição?”
Devido às minhas relações de amizade, poderia ter buscado um atendimento privado. Ou internação em hospital conveniado com o meu plano de saúde. Anos atrás, ao apresentar o doutor Adib Jatene a Fidel Castro, num evento científico em Havana, o destacado cardiologista me disse à guisa de agradecimento: “Se um dia precisar de meus serviços médicos, estarei à disposição”. Respondi-lhe: “Agradeço, doutor, mas queira Deus que eu nunca me sinta obrigado a recorrer a eles”.
Tomei um táxi à porta da PUC e mandei tocar para o Hospital das Clínicas. Na recepção do pronto-socorro, informei a uma funcionária que necessitava de atendimento. Talvez estivesse com um princípio de infarto.
Fui encaminhado à enfermeira Adriana , que me tirou a pressão: 14x8. Fez a minha ficha e mandou me apresentar a um funcionário que me pediu números de identidade, CEP e telefone. Não consegui lembrar de nenhum deles, embora a dor já se mostrasse menos agressiva. É que andava com a mente e o coração em ação de graças pela vida que me foi dada viver. Talvez tivesse chegado a minha hora.
Tranquilizou-me não temer a morte. Não tanto pela fé que me anima, e sim pelo sentido que imprimo à minha vida.
Da burocracia fui remetido a uma sala de espera, onde deixei a ficha sobre um balcão. Havia ali outras pessoas à espera de atendimento. Quinze minutos depois a ficha foi recolhida e, em menos de 10 minutos, chamado a um consultório. A doutora Seila tirou-me a pressão, agora 13x8, e me encaminhou à doutora Beatriz A. Martins, diplomada ano passado.
Enquanto me movo de um lado a outro no Pronto Socorro, vejo o “circo dos horrores”: macas espalhadas pelos corredore s; policiais trazendo vítimas de facadas, tiros e atropelamentos; mulheres grávidas preocupadas com o parto precoce; gritarias; e sangue, muito sangue. Mas havia em tudo aquilo uma lógica: todos que necessitavam de atendimento de emergência mereciam os devidos cuidados, ainda que os primeiros socorros fossem prestados nos corredores.
Doutora Beatriz retirou-me sangue e me fez ingerir dois comprimidos de AAS. Em seguida, na sala de eletrocardiograma, a enfermeira Ester me cobriu de fios. O eletro deu “normal”. Frequência cardíaca: 78 batidas por minuto. Ester me comunicou que infarto não tive. (A essa altura, a dor se resumia a um ponto no fundo do coração.)
Fui remetido de novo à dra. Beatriz, que se fazia acompanhar pelo dr. Francisco Mazon. Pediu que eu retornasse à sala de espera até o resultado do exame de sangue ficar pronto.
Eram 10h. Preocupava-me a ida para Curitiba, convidado a participar, na tarde do mesmo dia, de debate na Bienal do Livro do Paraná. Meu voo sairia às 14h. Esperei até as 12h. Retornei à dra. Beatriz para avisar que iria embora. Ela me advertiu que deveria aguardar mais 40 minutos. Insisti que não podia esperar. Ela disse enfática: “Não podemos lhe dar alta. Se o senhor se for, será caracterizado como evasão hospitalar. E corre o risco de morrer em pleno voo”.
Em nome de meu oficio de escritor, optei pelo risco de morte e cometi o delito da evasão. Cheguei a tempo no aeroporto.
Ninguém no Hospital das Clínicas me identificou pelo nome que sou conhecido. Fui tratado como qualquer outro cidadão. E concluí que, ao menos ali, o SUS funciona. E muito bem. Eu é que sou um paciente impaciente...
Tudo indica que a dor adveio de uma contração muscular. Na véspera, indiferente à minha hérnia de disco, ajudei a arrastar uma mala com 70kg de livros. Fiz um esforço superior às minhas forças. Menos de 24 horas depois, o organismo emitiu o seu protesto...
Escritor, é autor, em parceria com Leonardo Boff, de Mística e Espiritualidade, que a editora Vozes faz chegar esta semana às livrarias
Mal-estar e acidentes não mandam aviso prévio. Nem escolhem dia da semana. No domingo, 3 de outubro, pouco depois das 8h da manhã, a caminho de minha seção eleitoral, senti forte dor no lado esquerdo do peito. A impressão era de que tinha levado um soco no tórax. Continuei o percurso do convento à PUC-SP, desconfiado de ter sido acometido de um infarto. Não senti tontura, apenas a dor que se irradiava pelo lado avesso do peito.
Subi com dificuldade a rampa da PUC e quase me sentei para recuperar o fôlego. Teimoso, prossegui rumo ao meu dever cívico. (Sinto-me honrado em votar e serei a favor do voto facultativo no dia em que for também facultativo pagar impostos).
Ao me apresentar na seção eleitoral, a dor persistia. Não consegui me debruçar sobre a mesa para assinar o termo de comparecimento. Precisei erguer o papel. Pensei ao entrar na cabine: “Morro, mas com meu dever de cidadão cumprido”.
E is que, na saída, me bateu forte ardor cívico. “Votei em prol da melhoria deste país. Tenho direito, como cidadão, a atendimento médico pelo SUS. Por que não recorrer a ele no dia da eleição?”
Devido às minhas relações de amizade, poderia ter buscado um atendimento privado. Ou internação em hospital conveniado com o meu plano de saúde. Anos atrás, ao apresentar o doutor Adib Jatene a Fidel Castro, num evento científico em Havana, o destacado cardiologista me disse à guisa de agradecimento: “Se um dia precisar de meus serviços médicos, estarei à disposição”. Respondi-lhe: “Agradeço, doutor, mas queira Deus que eu nunca me sinta obrigado a recorrer a eles”.
Tomei um táxi à porta da PUC e mandei tocar para o Hospital das Clínicas. Na recepção do pronto-socorro, informei a uma funcionária que necessitava de atendimento. Talvez estivesse com um princípio de infarto.
Fui encaminhado à enfermeira Adriana , que me tirou a pressão: 14x8. Fez a minha ficha e mandou me apresentar a um funcionário que me pediu números de identidade, CEP e telefone. Não consegui lembrar de nenhum deles, embora a dor já se mostrasse menos agressiva. É que andava com a mente e o coração em ação de graças pela vida que me foi dada viver. Talvez tivesse chegado a minha hora.
Tranquilizou-me não temer a morte. Não tanto pela fé que me anima, e sim pelo sentido que imprimo à minha vida.
Da burocracia fui remetido a uma sala de espera, onde deixei a ficha sobre um balcão. Havia ali outras pessoas à espera de atendimento. Quinze minutos depois a ficha foi recolhida e, em menos de 10 minutos, chamado a um consultório. A doutora Seila tirou-me a pressão, agora 13x8, e me encaminhou à doutora Beatriz A. Martins, diplomada ano passado.
Enquanto me movo de um lado a outro no Pronto Socorro, vejo o “circo dos horrores”: macas espalhadas pelos corredore s; policiais trazendo vítimas de facadas, tiros e atropelamentos; mulheres grávidas preocupadas com o parto precoce; gritarias; e sangue, muito sangue. Mas havia em tudo aquilo uma lógica: todos que necessitavam de atendimento de emergência mereciam os devidos cuidados, ainda que os primeiros socorros fossem prestados nos corredores.
Doutora Beatriz retirou-me sangue e me fez ingerir dois comprimidos de AAS. Em seguida, na sala de eletrocardiograma, a enfermeira Ester me cobriu de fios. O eletro deu “normal”. Frequência cardíaca: 78 batidas por minuto. Ester me comunicou que infarto não tive. (A essa altura, a dor se resumia a um ponto no fundo do coração.)
Fui remetido de novo à dra. Beatriz, que se fazia acompanhar pelo dr. Francisco Mazon. Pediu que eu retornasse à sala de espera até o resultado do exame de sangue ficar pronto.
Eram 10h. Preocupava-me a ida para Curitiba, convidado a participar, na tarde do mesmo dia, de debate na Bienal do Livro do Paraná. Meu voo sairia às 14h. Esperei até as 12h. Retornei à dra. Beatriz para avisar que iria embora. Ela me advertiu que deveria aguardar mais 40 minutos. Insisti que não podia esperar. Ela disse enfática: “Não podemos lhe dar alta. Se o senhor se for, será caracterizado como evasão hospitalar. E corre o risco de morrer em pleno voo”.
Em nome de meu oficio de escritor, optei pelo risco de morte e cometi o delito da evasão. Cheguei a tempo no aeroporto.
Ninguém no Hospital das Clínicas me identificou pelo nome que sou conhecido. Fui tratado como qualquer outro cidadão. E concluí que, ao menos ali, o SUS funciona. E muito bem. Eu é que sou um paciente impaciente...
Tudo indica que a dor adveio de uma contração muscular. Na véspera, indiferente à minha hérnia de disco, ajudei a arrastar uma mala com 70kg de livros. Fiz um esforço superior às minhas forças. Menos de 24 horas depois, o organismo emitiu o seu protesto...
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
"Aborto para fins eleitorais"
Dom Demétrio Valentini
A questão do aborto está sendo instrumentalizada para fins eleitorais.
Esta situação precisa ser esclarecida e denunciada.
Está sendo usada uma questão que merece toda a atenção e isenção de
ânimo para ser bem situada e assumida com responsabilidade, e que não
pode ficar exposta a manobras eleitorais, amparadas em sofismas
enganadores.
Nesta campanha eleitoral está havendo uma dupla falácia, que precisa
ser desmontada.
Em primeiro lugar, se invoca a autoridade da CNBB para posições que
não são da entidade, nem contam com o apoio dela, mas se apresentam
como se fossem manifestações oficiais da CNBB.
Em segundo lugar, se invoca uma causa de valor indiscutível e
fundamental, como é a questão da vida, e se faz desta causa um
instrumento para acusar de abortistas os adversários políticos, que
assim passam a ser condenados como se estivessem contra a vida e a
favor do aborto.
Concretamente, para deixar mais clara a falácia, e para urgir o seu desmonte:
A Presidência do Regional Sul 1 da CNBB incorreu, no mínimo, em sério
equívoco quando apoiou a manifestação de comissões diocesanas, que
sinalizavam claramente que não era para votar nos candidatos do PT, em
especial na candidata Dilma.
Ora, os Bispos do Regional já tinham manifestado oficialmente sua
posição diante do processo eleitoral. Por que a Presidência do
Regional precisava dar apoio a um documento cujo teor evidentemente
não correspondia à tradição de imparcialidade da CNBB? Esta atitude da
Presidência do Regional Sul 1 compromete a credibilidade da CNBB, se
não contar com urgente esclarecimento, que não foi feito ainda,
alertando sobre o uso eleitoral que está sendo feito deste documento
assinado pelos três bispos da presidência do Regional.
Esta falácia ainda está produzindo conseqüências. Pois no próprio dia
das eleições foram distribuídos nas igrejas, ao arrepio da Lei
Eleitoral, milhares de folhetos com a nota do Regional Sul 1, como se
fosse um texto patrocinado pela CNBB Nacional. E enquanto este
equívoco não for desfeito, infelizmente a declaração da Presidência do
Regional Sul 1 da CNBB continua à disposição da volúpia desonesta de
quem a está explorando eleitoralmente. Prova deste fato lamentável é a
fartura como está sendo impressa e distribuída.
Diante da gravidade deste fato, é bem vindo um esclarecedor
pronunciamento da Presidência Nacional da CNBB, que honrará a tradição
de prudência e de imparcialidade da instituição.
A outra falácia é mais sutil, e mais perversa. Consiste em arvorar-se
em defensores da vida, para acusar de abortistas os adversários
políticos, para assim impugná-los como candidatos, alegando que não
podem receber o voto dos católicos.
Usam de artifício, para fazerem de uma causa justa o pretexto de
propaganda política contra seus adversários, e o que é pior, invocando
para isto a fé cristã e a Igreja Católica.
Mas esta falácia não pára aí. Existe nela uma clara posição
ideológica, traduzida em opção política reacionária. Nunca relacionam
o aborto com as políticas sociais que precisam ser empreendidas em
favor da vida.
Votam, sem constrangimento, no sistema que produz a morte, e se
declaram em favor da vida.
Em nome da fé, julgam-se no direito de condenar todos os que discordam
de suas opções políticas. Pretendem revestir de honestidade, uma
manobra que não consegue esconder seu intento eleitoral.
Diante desta situação, são importantes, e necessários, os
esclarecimentos. Mais importante ainda é a vigilância do eleitor, que
tem todo o direito de saber das coisas, também aquelas tramadas com
astúcia e malícia.
[Leia também: Carta aberta a Dom Demétrio]
* Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
A questão do aborto está sendo instrumentalizada para fins eleitorais.
Esta situação precisa ser esclarecida e denunciada.
Está sendo usada uma questão que merece toda a atenção e isenção de
ânimo para ser bem situada e assumida com responsabilidade, e que não
pode ficar exposta a manobras eleitorais, amparadas em sofismas
enganadores.
Nesta campanha eleitoral está havendo uma dupla falácia, que precisa
ser desmontada.
Em primeiro lugar, se invoca a autoridade da CNBB para posições que
não são da entidade, nem contam com o apoio dela, mas se apresentam
como se fossem manifestações oficiais da CNBB.
Em segundo lugar, se invoca uma causa de valor indiscutível e
fundamental, como é a questão da vida, e se faz desta causa um
instrumento para acusar de abortistas os adversários políticos, que
assim passam a ser condenados como se estivessem contra a vida e a
favor do aborto.
Concretamente, para deixar mais clara a falácia, e para urgir o seu desmonte:
A Presidência do Regional Sul 1 da CNBB incorreu, no mínimo, em sério
equívoco quando apoiou a manifestação de comissões diocesanas, que
sinalizavam claramente que não era para votar nos candidatos do PT, em
especial na candidata Dilma.
Ora, os Bispos do Regional já tinham manifestado oficialmente sua
posição diante do processo eleitoral. Por que a Presidência do
Regional precisava dar apoio a um documento cujo teor evidentemente
não correspondia à tradição de imparcialidade da CNBB? Esta atitude da
Presidência do Regional Sul 1 compromete a credibilidade da CNBB, se
não contar com urgente esclarecimento, que não foi feito ainda,
alertando sobre o uso eleitoral que está sendo feito deste documento
assinado pelos três bispos da presidência do Regional.
Esta falácia ainda está produzindo conseqüências. Pois no próprio dia
das eleições foram distribuídos nas igrejas, ao arrepio da Lei
Eleitoral, milhares de folhetos com a nota do Regional Sul 1, como se
fosse um texto patrocinado pela CNBB Nacional. E enquanto este
equívoco não for desfeito, infelizmente a declaração da Presidência do
Regional Sul 1 da CNBB continua à disposição da volúpia desonesta de
quem a está explorando eleitoralmente. Prova deste fato lamentável é a
fartura como está sendo impressa e distribuída.
Diante da gravidade deste fato, é bem vindo um esclarecedor
pronunciamento da Presidência Nacional da CNBB, que honrará a tradição
de prudência e de imparcialidade da instituição.
A outra falácia é mais sutil, e mais perversa. Consiste em arvorar-se
em defensores da vida, para acusar de abortistas os adversários
políticos, para assim impugná-los como candidatos, alegando que não
podem receber o voto dos católicos.
Usam de artifício, para fazerem de uma causa justa o pretexto de
propaganda política contra seus adversários, e o que é pior, invocando
para isto a fé cristã e a Igreja Católica.
Mas esta falácia não pára aí. Existe nela uma clara posição
ideológica, traduzida em opção política reacionária. Nunca relacionam
o aborto com as políticas sociais que precisam ser empreendidas em
favor da vida.
Votam, sem constrangimento, no sistema que produz a morte, e se
declaram em favor da vida.
Em nome da fé, julgam-se no direito de condenar todos os que discordam
de suas opções políticas. Pretendem revestir de honestidade, uma
manobra que não consegue esconder seu intento eleitoral.
Diante desta situação, são importantes, e necessários, os
esclarecimentos. Mais importante ainda é a vigilância do eleitor, que
tem todo o direito de saber das coisas, também aquelas tramadas com
astúcia e malícia.
[Leia também: Carta aberta a Dom Demétrio]
* Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
"Leonardo Boff, Marina e o 2º turno"
Leonardo Boff
O Brasil está ainda em construção. Somos inteiros mas não acabados. Nas bases e nas discussões políticas sempre se suscita a questão: que Brasil finalmente queremos?
É então que surgem os vários projetos políticos elaborados a partir de forças sociais com seus interesses econômicos e ideológicos com os quais pretendem moldar o Brasil.
Agora, no segundo turno das eleições presidenciais, tais projetos repontam com clareza. É importante o cidadão consciente dar-se conta do que está em jogo para além das palavras e promessas e se colocar criticamente a questão: qual dos projetos atende melhor às urgências das maiorias que sempre foram as “humilhadas e ofendidas” e consideradas “zeros econômicos” pelo pouco que produzem e consomem.
Essas maiorias conseguiram se organizar, criar sua consciência própria, elaborar o seu projeto de Brasil e digamos, sinceramente, chegaram a fazer de alguém de seu meio, Presidente do pais, Luiz Inácio Lula da Silva. Fou uma virada de magnitude histórica.
Há dois projetos em ação: um é o neoliberal ainda vigente no mundo e no Brasil apesar da derrota de suas principais teses na crise econômico-financeira de 2008. Esse nome visa dissimular aos olhos de todos, o caráter altamente depredador do processo de acumulação, concentrador de renda que tem como contrapartida o aumento vertiginoso das injustiças, da exclusão e da fome. Para facilitar a dominação do capital mundializado, procura-se enfraquecer o Estado, flexibilizar as legislações e privatizar os setores rentáveis dos bens públicos.
O Brasil sob o governo de Fernando Henrique Cardoso embarcou alegremente neste barco a ponto de no final de seu mandato quase afundar o Brasil. Para dar certo, ele postulou uma população menor do que aquela existente. Cresceu a multidão dos excluidos. Os pequenos ensaios de inclusão foram apenas ensaios para disfarçar as contradições inocultáveis.
Os portadores deste projeto são aqueles partidos ou coligações, encabeçados pelo PSDB que sempre estiveram no poder com seus fartos benesses. Este projeto prolonga a lógica do colonialismo, do neocolonialismo e do globocolonialismo pois sempre se atém aos ditames dos paises centrais.
José Serra, do PSDB, representa esse ideário. Por detrás dele estão o agrobusiness, o latifúndio tecnicamente moderno e ideologicamente retrógrado, parte da burguesia financeira e industrial. É o núcleo central do velho Brasil das elites que precisamos vencer pois elas sempre procuram abortar a chance de um Brasil moderno com uma democracia inclusiva.
O outro projeto é o da democracia social e popular do PT. Sua base social é o povo organizado e todos aqueles que pela vida afora se empenharam por um outro Brasil. Este projeto se constrói de baixo para cima e de dentro para fora. Que forjar uma nação autônoma, capaz de democratizar a cidadania, mobilizar a sociedade e o Estado para erradicar, a curto prazo, a fome e a pobreza, garantir um desenvolvimento social includente que diminua as desigualdades. Esse projeto quer um Brasil aberto ao diálogo com todos, visa a integração continental e pratica uma política externa autônoma, fundada no ganha-ganha e não na truculência do mais forte.
Ora, o governo Lula deu corpo a este projeto. Produziu uma inclusão social de mais de 30 milhões e uma diminuição do fosso entre ricos e pobres nunca assistido em nossa história. Representou em termos políticos uma revolução social de cunho popular pois deu novo rumo ao nosso destino. Essa virada deve ser mantida pois faz bem a todos, principalmente às grandes maiorias, pois lhes devolveu a dignidade negada.
Dilma Rousseff se propõe garantir e aprofundar a continuidade deste projeto que deu certo. Muito foi feito, mas muito falta ainda por fazer, pois a chaga social dura já há séculos e sangra.
É aquí que entra a missão de Marina Silva com seus cerca de vinte milhões de votos. Ela mostrou que há uma faceta significativa do eleitorado que quer enriquecer o projeto da democracia social e popular. Esta precisa assumir estrategicamente a questão da natureza, impedir sua devastação pelas monoculturas, ensaiar uma nova benevolência para com a Mãe Terra. Marina em sua campanha lançou esse programa. Seguramente se inclinará para o lado de onde veio, o PT, que ajudou a construir e agora a enriquecer. Cabe ao PT escutar esta voz que vem das ruas e com humildade saber abrir-se ao ambiental proposto por Marina Silva.
Sonhamos com uma democracia social, popular e ecológica que reconcilie ser humano e natureza para garantir um futuro comum feliz para nós e para a humanidade que nos olha cheia de esperança.
(*) Leonardo Boff é teólogo
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